GERIR O CURRÍCULO NA ENCRUZILHADA DAS DIFERENÇAS: CONTRIBUTO PARA A CONCEPTUALIZAÇÃO DA DIFERENCIAÇÃO CURRICULAR
Dissertação apresentada à Universidade dos Açores para obtenção do grau de Doutor em Ciências da Educação de Francisco José Rodrigues de Sousa sob a orientação de Maria do Céu Roldão e Nancy Lesko.
Sinopse:
A investigação sobre diferenciação curricular ao nível do discurso dos professores do ensino básico e da sua acção na sala de aula é um fenómeno bastante recente em Portugal. Num contexto em que a investigação realizada em Portugal sobre diferenciação curricular na sala de aula é incipiente, há bastante interesse em aprofundar algumas das questões abordadas nestes estudos já realizados, pelo que o presente trabalho pode ser entendido como um contributo para esse aprofundamento.
A lógica uniformizadora e centralista que caracteriza o currículo do ensino básico em Portugal no último quartel do século XX tem vindo a ser contrariada por uma série de iniciativas de sentido inverso. É o caso do projecto de gestão flexível do currículo, lançado em 1997 pelo Departamento da Educação Básica do Ministério da Educação, na sequência do projecto “Reflexão participada sobre os currículos da educação básica” (PRP). Estas experiências abriram caminho para a consolidação da reorganização curricular do ensino básico consagrada pelo Decreto-Lei nº 6/2001, de 18 de Janeiro.
Vários estudos têm evidenciado que a mentalidade curricular dos professores portugueses tem estado de tal forma influenciada por uma tradição centralista que haverá muita dificuldade por parte desses docentes em desempenhar o papel de gestores curriculares autónomos, como agora deles se espera.
Partindo de uma noção de gestão curricular com sentido deliberativo, este projecto de investigação foi desenvolvido com a preocupação de compreender até que ponto as professoras envolvidas no estudo empírico que o integra se consideravam gestoras curriculares, no pressuposto de que um perfil profissional que inclua uma orientação para a gestão curricular favorece uma acção curricular diferenciadora. Sem gestão curricular ou deliberação dificilmente há diferenciação curricular adequada aos alunos, porque um trabalho curricular que não inclua uma dimensão deliberativa tende a veicular um currículo concebido em função do aluno abstracto e não em função de alunos concretos, cujas características diferenciadas requerem, pela sua diversidade, respostas curriculares diferenciadas. Insere-se nesta ordem de preocupações uma investigação direccionada para a construção de uma conceptualização da diferenciação curricular, que ajude a compreender o que, relativamente a esta matéria, pensam, fazem e poderiam fazer os professores.
A diferenciação curricular tem sido cada vez mais perspectivada como uma resposta que urge dar à crescente diversidade estudantil que caracteriza a escola contemporânea. Tal diversidade reflecte tendências da sociedade em geral e manifesta-se em diversos aspectos, tais como as referências culturais, o estatuto social e o estilo de aprendizagem.
Em qualquer sistema educativo, as concepções e as práticas face à diversidade discente podem oscilar entre três pólos: uniformização, diferenciação com estratificação e diferenciação sem estratificação. A investigação confirma consistentemente que a diferenciação curricular estratificada tende a agravar as desigualdades entre alunos em termos de acesso a uma educação de qualidade, além de não causar melhorias significativas de aproveitamento, a não ser por parte de alunos que já partem de situações de bom aproveitamento. Há, no entanto, alguns registos de casos em que alunos colocados em vias de estudo menos prestigiadas melhoraram o seu aproveitamento escolar em escolas onde se praticavam sistematicamente estratégias de apoio, incentivo e comunicação de expectativas elevadas aos alunos em situação de maior dificuldade na aprendizagem. A investigação tem detectado frequentemente este tipo de estratégias e de resultados em escolas católicas norte-americanas.
Uma vez que a diferenciação é uma resposta à diferença, o primeiro capítulo deste trabalho incide sobre o conceito de diferença e conceitos afins – identidade, diversidade, normalidade. Procura-se evidenciar as limitações das abordagens categoriais à diferença, sobretudo no que respeita ao favorecimento da ocultação de alguns tipos de diferença, e discutem-se implicações da tendência para conceber a diferença como desvio à norma. Enfatiza-se o papel nuclear que a Teoria e Desenvolvimento Curricular pode ter na resposta às diferenças que se manifestam em contexto escolar, não enjeitando o contributo de áreas de estudo mais especializadas em aspectos específicos da diferença.
No segundo capítulo analisam-se vários tipos de resposta às diferenças entre alunos: respostas políticas, respostas em forma de projectos de iniciativa académica e respostas concebidas no âmbito de modelos pedagógicos. As abordagens em causa são analisadas quanto às concepções sobre a diferença e sobre formas de lidar com ela na escola que – de forma mais explícita ou mais implícita – as orientam e quanto ao papel que nelas se atribui ou não ao currículo em geral e à diferenciação curricular em particular.
O terceiro capítulo situa a concepção de diferenciação curricular defendida neste trabalho na tradição pedagógica progressista herdada de John Dewey e na linha dos Estudos Curriculares de orientação deliberativa. Advoga-se um entendimento de diferenciação curricular como reconstrução diferenciada da experiência do aluno segundo um método deliberativo de tomada de decisão sobre o currículo à luz do qual os professores assumem o papel de gestores curriculares.
O quarto capítulo é um esforço de desconstrução das formas dominantes de mapeamento do currículo e das organizações onde ele é trabalhado, acompanhado de um esboço de formas alternativas. Recorrendo a algumas incursões na geometria e na geografia, discutem-se também algumas questões relativas à representação da própria diferença em determinados mapas – mapas no sentido mais literal do termo, mapas de organizações escolares e mapas curriculares –, designadamente presenças e ausências, posições centrais e posições periféricas de elementos susceptíveis de serem mapeados. O risco de alguns aspectos da diferença ficarem fora de mapas ou grelhas curriculares que, por rigidez, não captem alguns tipos de diferença constitui um dos principais motivos de discussão.
O quinto capítulo centra-se numa investigação empírica sobre diferenciação curricular na sala de aula, cuja principal finalidade foi caracterizar o pensamento e a acção de algumas professoras em matéria de diferenciação curricular. Os resultados desta investigação empírica apontam para práticas predominantemente uniformizadoras, tendo-se observado também várias práticas diferenciadoras de carácter reactivo, às quais se recorria ocasionalmente para corrigir desvios à normalidade.
A lógica uniformizadora e centralista que caracteriza o currículo do ensino básico em Portugal no último quartel do século XX tem vindo a ser contrariada por uma série de iniciativas de sentido inverso. É o caso do projecto de gestão flexível do currículo, lançado em 1997 pelo Departamento da Educação Básica do Ministério da Educação, na sequência do projecto “Reflexão participada sobre os currículos da educação básica” (PRP). Estas experiências abriram caminho para a consolidação da reorganização curricular do ensino básico consagrada pelo Decreto-Lei nº 6/2001, de 18 de Janeiro.
Vários estudos têm evidenciado que a mentalidade curricular dos professores portugueses tem estado de tal forma influenciada por uma tradição centralista que haverá muita dificuldade por parte desses docentes em desempenhar o papel de gestores curriculares autónomos, como agora deles se espera.
Partindo de uma noção de gestão curricular com sentido deliberativo, este projecto de investigação foi desenvolvido com a preocupação de compreender até que ponto as professoras envolvidas no estudo empírico que o integra se consideravam gestoras curriculares, no pressuposto de que um perfil profissional que inclua uma orientação para a gestão curricular favorece uma acção curricular diferenciadora. Sem gestão curricular ou deliberação dificilmente há diferenciação curricular adequada aos alunos, porque um trabalho curricular que não inclua uma dimensão deliberativa tende a veicular um currículo concebido em função do aluno abstracto e não em função de alunos concretos, cujas características diferenciadas requerem, pela sua diversidade, respostas curriculares diferenciadas. Insere-se nesta ordem de preocupações uma investigação direccionada para a construção de uma conceptualização da diferenciação curricular, que ajude a compreender o que, relativamente a esta matéria, pensam, fazem e poderiam fazer os professores.
A diferenciação curricular tem sido cada vez mais perspectivada como uma resposta que urge dar à crescente diversidade estudantil que caracteriza a escola contemporânea. Tal diversidade reflecte tendências da sociedade em geral e manifesta-se em diversos aspectos, tais como as referências culturais, o estatuto social e o estilo de aprendizagem.
Em qualquer sistema educativo, as concepções e as práticas face à diversidade discente podem oscilar entre três pólos: uniformização, diferenciação com estratificação e diferenciação sem estratificação. A investigação confirma consistentemente que a diferenciação curricular estratificada tende a agravar as desigualdades entre alunos em termos de acesso a uma educação de qualidade, além de não causar melhorias significativas de aproveitamento, a não ser por parte de alunos que já partem de situações de bom aproveitamento. Há, no entanto, alguns registos de casos em que alunos colocados em vias de estudo menos prestigiadas melhoraram o seu aproveitamento escolar em escolas onde se praticavam sistematicamente estratégias de apoio, incentivo e comunicação de expectativas elevadas aos alunos em situação de maior dificuldade na aprendizagem. A investigação tem detectado frequentemente este tipo de estratégias e de resultados em escolas católicas norte-americanas.
Uma vez que a diferenciação é uma resposta à diferença, o primeiro capítulo deste trabalho incide sobre o conceito de diferença e conceitos afins – identidade, diversidade, normalidade. Procura-se evidenciar as limitações das abordagens categoriais à diferença, sobretudo no que respeita ao favorecimento da ocultação de alguns tipos de diferença, e discutem-se implicações da tendência para conceber a diferença como desvio à norma. Enfatiza-se o papel nuclear que a Teoria e Desenvolvimento Curricular pode ter na resposta às diferenças que se manifestam em contexto escolar, não enjeitando o contributo de áreas de estudo mais especializadas em aspectos específicos da diferença.
No segundo capítulo analisam-se vários tipos de resposta às diferenças entre alunos: respostas políticas, respostas em forma de projectos de iniciativa académica e respostas concebidas no âmbito de modelos pedagógicos. As abordagens em causa são analisadas quanto às concepções sobre a diferença e sobre formas de lidar com ela na escola que – de forma mais explícita ou mais implícita – as orientam e quanto ao papel que nelas se atribui ou não ao currículo em geral e à diferenciação curricular em particular.
O terceiro capítulo situa a concepção de diferenciação curricular defendida neste trabalho na tradição pedagógica progressista herdada de John Dewey e na linha dos Estudos Curriculares de orientação deliberativa. Advoga-se um entendimento de diferenciação curricular como reconstrução diferenciada da experiência do aluno segundo um método deliberativo de tomada de decisão sobre o currículo à luz do qual os professores assumem o papel de gestores curriculares.
O quarto capítulo é um esforço de desconstrução das formas dominantes de mapeamento do currículo e das organizações onde ele é trabalhado, acompanhado de um esboço de formas alternativas. Recorrendo a algumas incursões na geometria e na geografia, discutem-se também algumas questões relativas à representação da própria diferença em determinados mapas – mapas no sentido mais literal do termo, mapas de organizações escolares e mapas curriculares –, designadamente presenças e ausências, posições centrais e posições periféricas de elementos susceptíveis de serem mapeados. O risco de alguns aspectos da diferença ficarem fora de mapas ou grelhas curriculares que, por rigidez, não captem alguns tipos de diferença constitui um dos principais motivos de discussão.
O quinto capítulo centra-se numa investigação empírica sobre diferenciação curricular na sala de aula, cuja principal finalidade foi caracterizar o pensamento e a acção de algumas professoras em matéria de diferenciação curricular. Os resultados desta investigação empírica apontam para práticas predominantemente uniformizadoras, tendo-se observado também várias práticas diferenciadoras de carácter reactivo, às quais se recorria ocasionalmente para corrigir desvios à normalidade.
4 Comments:
Apesar de ainda não conhecer o resultado final das provas de doutoramento, quero desde já felicitar o Senhor Professor Francisco Sousa pelo trabalho desenvolvido, nomeadamente nesta vertente do desenvolvimento curricular.
Acrescento que sinto-me honrado por ter sido aluno deste notável académico biscoitense.
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