Etnobotânica da ilha de São Miguel: Valorização Patrimonial e Potencial Económico
Nos tempos que correm, preservar as diferenças, num mundo cada vez mais igual, assume uma enorme importância nas mais diversas áreas, incluindo-se a científica, como a botânica e a antropologia cultural.
Com este trabalho pretendeu-se, por um lado, valorizar o património botânico da ilha de São Miguel no Arquipélago dos Açores e promover a preservação ambiental, em especial, de espécies que correm risco de extinção, e por outro, numa perspectiva de Saúde e Segurança, validar as crenças populares no que diz respeito à medicina popular e ao tratamento fitoterápico, ou seja, apoiar o "saber empírico" com o "saber científico" que confirma a segurança e a utilização popular de algumas plantas indicando também precauções, dosagens e potencial tóxico do seu uso, em cada uma das espécies com aplicações populares registadas. Não se descurou neste trabalho o potencial económico que está subjacente à utilização dada às plantas com fins medicinais, numa indústria tão promissora como a farmaceutica e, progressivamente naturalista, numa altura em que o homem procura aproximar-se cada vez mais da natureza.
Foram identificadas, classificadas e conservadas em herbário, cerca de 107 espécies vegetais com aplicações populares no tratamento de problemas de saúde na lha. A grande maioria dessas plantas pertencem à flora local, ainda que tenham sido introduzidas ou cultivadas. Também se verificou que são empregues na medicina popular Micaelense algumas plantas nativas e duas plantas endémicas: o Vaccinium cylindraceum e a Daboecia azorica. Em termos etnobotânicos, são dadas outras utilizações na ilha de São Miguel às plantas endémicas, mas não na área da medicina popular.
Cerca de metade dos medicamentos que actualmente se encontram no mercado têm uma composição de origem vegetal, e um quarto, contém extractos de plantas ou moléculas provenientes directamente do mundo vegetal. Através dos medicamentos de hemissíntese ou da fitoterapia, as plantas constituem o modo de tratamento mais frequente em todo o mundo.Através dos dados fornecidos pela Organização Mundial de Saúde (OMS), constacta-se que o uso das plantas medicinais pela população mundial tem aumentado significativamente nos últimos anos, sendo esse uso incentivado pela própria OMS.A cultura popular açoriana é toda ela extremamente rica em saberes e tradições nas mais diversas áreas, entre as quais se incluem a etnobotânica. Este trabalho pretendeu também contribuir para a preservação do património regional que ousa desaparecer à medida que cada um dos anciãos das nossas vilas e freguesias se extingue.Após a inquirição de 90 pessoas, profundamente conhecedoras da medicina popular na ilha de São Miguel, concluiu-se que para a generalidade dos tratamentos propostos com plantas, existe suporte científico que ajudará a validar o saber popular conferido a determinadas plantas, conhecimento esse que parece provir desde os primórdios do povoamento, pelo facto da maioria das plantas utilizadas serem espécies introduzidas e cultivadas na ilha e resultarem da transmissão de conhecimentos orais dos seus antepassados.Conclui-se também que muitas das utilizações medicinais dadas às plantas na ilha de São Miguel, que se distribuem também por outras regiões do planeta, são as mesmas que as populações que aí residem lhes dão. No entanto, na ilha, registam-se diferentes usos de algumas plantas de distribuição geográfica ampla, indiciando a construção de um "conhecimento empírico" específico. Por exemplo, é utlizada na ilha a anona como diurético, não se conhecendo aplicações noutros locais para esse fim, no entanto haverá que validar cientificamente essa aplicação. A planta Daboecia azorica, endémica dos Açores, é utilizada no tratamento da hipertensão e carece também de uma investigação mais aprofundada neste domínio.
Com aplicações próprias que parecem ser específicas da ilha encontra-se o agrião da horta, para o tratamento da dor de dentes, o pero azedo para problemas cardíacos, o manjerico para a tosse convulsa, o incenso para o reumatismo, a uva da serra (planta endémica) para a dor de barriga, a hortelã-pimenta para a azia, a borragem para branqueamento dos dentes, o inhame para tratamento de quistos, o louro para tratamento da gripe e peste, a anona para os diabetes, a faia da terra para a diarreia, a conteira para as frieiras, etc.
Algumas das plantas apresentadas possuem um certo grau de toxicidade, daí que o seu uso tem que ser devidamente acautelado com um manuseamento apropriado e doses correctas. Entre as plantas mais tóxicas utilizadas na medicina popular micaelense destacam-se a arruda, o sabugueiro, a salva, o buxeiro, o estramónio, a erva-cidreira, a lúcia-lima, a losna, a celidónia e o marroio. No manuseamento dessas plantas deve ser colocado especial cuidado.
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